Quebra-quebra

**Este termo é mais informal e enfatiza os atos de vandalismo e destruição material, como depredações e incêndios. Ele é adequado para descrever um protesto caótico ou tumultuado, focando na desordem física. É comumente usado na linguagem jornalística para eventos que não necessariamente têm um caráter político ou ideológico estruturado.

1º Episódio de quebra-quebra: Corrupção, energia, salários atrasados ou estratégia política?

Foto: Acervo Alcenor Moreira, 2024.

** Para apresentar algo a respeito do “Quebra-Quebra”, utilizamos o acervo do pesquisador Sr. Alcenor Moreira, que contém diversos jornais e recortes da época. A partir desse material, elaboramos um resumo com base na nossa compreensão sobre os eventos que culminaram no “Quebra-Quebra” na cidade de Humaitá. Gostaríamos de agradecer ao Sr. Alcenor Moreira por ceder seu acervo, que foi fundamental para a nossa análise. Além do acervo, utilizamos também relatos orais coletados pelos alunos da Escola de Tempo Integral Álvaro Maia no ano de 2024, incluindo entrevistas com o Sr. Renato e o Sr. Djalma Ramos. Essas análises foram realizadas pela Prof.ª. Ma. Jhully Gomes Morais e Prof.ª. Ma. Ronecla Roneyne Alves Moreira.

Era uma noite de sábado, 1º de junho de 1991, quando a cidade de Humaitá-Amazonas, com cerca de 20 mil habitantes, vivenciou algo que ninguém poderia imaginar. Até então, Humaitá era conhecida como um lugar tranquilo, onde a maioria da população vivia da agricultura, da pecuária e da pesca. Um município simples, mas cheio de histórias, e que já havia visto nascer grandes nomes como Almino Afonso, ex-governador de São Paulo.

Porém, naquela noite, a tranquilidade deu lugar ao caos. Humaitá, que já sofria há anos com o abandono administrativo por parte do governo do Amazonas, viu sua população, até então pacífica e ordeira, se revoltar. Segundo relatos, os moradores sentiam-se ignorados e deixados de lado, com suas reivindicações ignoradas pelas autoridades. E foi assim que o descontentamento explodiu de forma inesperada.

As ruas, que antes refletiam a calma do interior, tornaram-se o palco de uma manifestação que rapidamente saiu do controle. Supermercados foram saqueados, o prédio da prefeitura e o almoxarifado foram destruídos, e o fogo consumiu as casas do prefeito e do vice-prefeito, além de dois veículos. O clima de revolta espalhou-se como nunca antes visto em Humaitá.

O que inicialmente poderia ter sido um ato pacífico de protesto transformou-se rapidamente em uma manifestação popular tumultuada. Os jornais da época anunciavam: a incitação de jovens para depredar a CEAM, empresa local, foi organizada por líderes políticos, que não mediram esforços para destruir o escritório da empresa, embora, por sorte, os motores não tenham sido atingidos devido à localização deles.

Segundo relatos, três vereadores que instigaram o quebra-quebra patrocinaram bebidas para dezenas de pessoas, e, quando os ânimos estavam inflamados pelo álcool, conduziram os manifestantes até a CEAM. Quando souberam que a Polícia Militar estava a caminho, os vereadores convocaram as pessoas para seguir até a casa do prefeito, mas antes disso o supermercado Neves, pertencente ao vice-prefeito, foi saqueado. O estoque de mercadorias do supermercado foi levado, deixando o comércio em ruínas.

De acordo com outra versão dos fatos, o jornal O Grito Humaitaense já havia chamado atenção para a questão da energia elétrica como um problema crítico no município, especialmente para os comerciantes, que enfrentavam prejuízos significativos ao perder mercadorias devido à falta de energia, muitas vezes por mais de 48 horas, resultando em produtos estragados. No dia do ocorrido, por volta de uma hora da tarde, algumas pessoas se dirigiram à CEAM, onde já havia um grupo consumindo bebidas. Esse contexto acabou gerando acusações contra três vereadores, alimentadas por rumores de que alguém teria financiado as bebidas para incentivar os atos de vandalismo, embora essa alegação não tenha sido comprovada.

A manifestação, que começou com poucas pessoas, rapidamente cresceu, e, ao chegar à residência do prefeito, já contava com mais de 3 mil adeptos. Lá, os veículos D20 cabine dupla e Del Rey foram incendiados na frente da casa, que foi saqueada e depois consumida pelas chamas. Por sorte, os familiares do prefeito conseguiram escapar ilesos, graças à intervenção do 54º Batalhão de Infantaria e Selva, mesmo o Exército não devendo intervir, sendo competência da Polícia Militar. Os manifestantes se dirigiram à Prefeitura e ao Almoxarifado Central. Todas as dependências foram apedrejadas, móveis saqueados e documentos destruídos ou roubados. No Almoxarifado, o material escolar e os itens destinados a obras na cidade foram levados, e até computadores, adquiridos pela Prefeitura para informatizar os serviços, foram roubados. O caos se espalhou, deixando um rastro de destruição e insegurança em uma cidade antes pacífica, Cr$(cruzeiro) 22 milhões de prejuízo na estimativa da PM, aproximadamente R$2,5 milhões nos dias atuais.

Foto: Acervo Alcenor Moreira, 2024.

O prefeito de Humaitá, Raimundo Rodrigues, de 44 anos na época, deixou a cidade com medo de ser linchado pelos manifestantes. Ele afirmou em entrevista depois do fato, que partiu para Porto Velho à noite, mandando sua esposa, seis filhos e uma neta para Manaus para sua segurança.

O jornal A Crítica, de Manaus, em 4 de junho de 1991, alertava. A reação foi justa. O problema era a energia elétrica. Era mais sério do que se podia imaginar. Bastava observar. Em uma etapa, a população ficou mais de 48 horas sem luz. O que levou a esse quebra-quebra, atear fogo nos carros, quebrar partes das casas. Se para alguns isso era apenas um detalhe, para outros era importante, porque representava uma nova realidade. A de que o cidadão do interior também alcançou um melhor nível de desenvolvimento da consciência dos seus direitos e deixá-lo sem energia elétrica por 48 horas é abrir espaço para esse tipo de reação. É que era bom que as autoridades mirassem neste exemplo para evitar que houvessem mais situações como essas no futuro.

Segundo o relato dos vereadores envolvidos, o movimento começou quando eles foram ao escritório da CEAM (Companhia Energética do Amazonas) em busca de uma solução para os problemas de fornecimento de energia elétrica, mas não foram atendidos. A falta de resposta da empresa foi vista como um desrespeito à população de Humaitá, que já enfrentava sérias dificuldades com os apagões frequentes e um reajuste de 200% na tarifa no mês anterior. Essa negligência gerou uma revolta crescente, que culminou nos acontecimentos dramáticos que se seguiram.

Foi a partir desse episódio de descaso da CEAM que surgiram três nomes fundamentais na história: Dr. Renato Pereira Gonçalves (PT – 33 anos em 1991), Nelson Vanazzi (PL – 37 anos em 1991) e Othon Luiz Mendes (PL). Os vereadores passaram a ser as principais figuras do protesto, acusados de liderar a população. “Toda a sociedade esteve envolvida nos protestos” afirmou o médico e o vereador Renato Pereira Gonçalves à um jornal. Ele disse que a situação do município era de insegurança, e acreditava na má administração do prefeito, de quem também era adversário político. Acusado de haver insuflado a multidão aos saques e depredações, Renato reagiu acusando o primo do vice-prefeito de ter comandado as depredações. “Os saques foram feitos por pessoas do próprio reduto eleitoral do prefeito e do ex-prefeito" declarou o vereador. Na sua versão, os acontecimentos ocorridos em Humaitá não se restringiam somente à falta de energia, mas à insatisfação geral, contou que logo após as depredações e saque, a Prefeitura Municipal deslocou funcionários e equipamentos para as residências do prefeito e do vice, enquanto isso o prédio da prefeitura, praticamente destruído, ainda não tinha um processo de recuperação iniciado.

Ocorre que no dia dos acontecimentos, Dr. Renato teria solicitado que um carro de som circulasse pelas ruas de Humaitá, convocando a população para participar do protesto, até aquele momento, pacífico. Ao analisar essa história, é possível perceber que ela oferece, duas lições: uma sobre o impacto do descontentamento popular frente a problemas estruturais e outra sobre como situações assim podem ser interpretadas e manipuladas, dependendo da perspectiva ou das intenções de quem as narra.

Segundo Dr. Renato, a revolta da população também foi alimentada pela percepção de que o prefeito estava em uma situação privilegiada. Segundo os vereadores, a casa do prefeito possuía um motor de energia elétrica, o que significava que ele não sofria com os apagões que afligiam o restante da cidade. Esse contraste gerou indignação, já que a maioria dos cidadãos enfrentava longos períodos sem energia elétrica, enquanto o prefeito parecia imune a esse problema.

Mais tarde, em entrevista ao jornalista Alceu Luiz Castilho, Sr. Nelson Vanazzi explicou que o conflito começou após eles tentarem denunciar um esquema de corrupção do prefeito e identificar publicamente os responsáveis, o que acabou gerando um isolamento político. Nas palavras dele, “dá nome aos bois”. Durante os eventos, um carro foi incendiado, a prefeitura foi invadida e parcialmente queimada, e Vanazzi sugeriu que começaram o incêndio para tentar destruir documentos importantes que pudessem provar essas acusações.

Foto: Acervo Alcenor Moreira, 2024.

Segundo Sr. Renato (2024), um senhor entrevistado por um aluno da ETI Álvaro Maia, o episódio foi marcado por uma revolta popular de grandes proporções em locais e instituições públicas e teve a participação de empresários e outros grupos, criando no ambiente um misto de medo, revolta e insegurança para a população de Humaitá.

O comandante da Polícia Militar, Tenente Rômulo Azevedo, informou que mais de 10 pessoas foram presas no dia 04/02, totalizando 30 desde o início das depredações. A situação parecia estar sob controle, depois da chegada de mais de 30 PMs vindos de Manaus. O diretor do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Lorival da Silva Ramos, disse que as prisões foram arbitrárias, pois não existia prova contra ninguém, porque a revolta foi da população. Já a Comissão Pastoral da Terra de Porto Velho e o CDDH mobilizaram quatro advogados para liberar os presos. A Justiça de Humaitá decretou prisão preventiva dos vereadores Renato Gonçalves, Nelson Vanazzi e Othon Luiz Mendes, que saíram da cidade. Eles eram acusados de promover manifestações contra o prefeito e vice-prefeito.

Segundo o jornal A Crítica, de 12 de junho de 1991, Renato e Nelson não quiseram comentar a respeito da decisão dos seus seis pares, os seis vereadores que foram favoráveis à iniciar o processo de cassação dos seus mandatos. Nelson e Renato disseram que receberam notícias através de contatos telefônicos com a sede do município, e informaram que estavam fora de Humaitá desde o final da semana anterior à entrevista e que, o que sabiam até então, era apenas que estavam sendo acusados e que seus mandatos já haviam sido suspensos para o início dos processos de cassação. Além disso, também foi solicitada a prisão deles, mas após o clamor popular, não houvesse cassação de nenhum dos três vereadores.

A solução dada pelo Governo do Estado do Amazonas para esse conflito foi que o governador Gilberto Mestrinho (PMDB), informou em entrevista ter encomendado dois motores para a usina, com o objetivo de fornecer energia elétrica ao município.

É interessante observar que, durante esse conflito, os vereadores Renato Gonçalves e Nelson Vanazzi afirmaram que o que provaria a materialidade do crime de corrupção que eles acusavam o prefeito foi destruído durante os episódios de depredação. A grande questão é que, posteriormente, em 1997, o Dr. Renato Pereira Gonçalves assumiu a prefeitura de Humaitá através do voto direto, e foi reeleito novamente em 2001. Em seu primeiro mandato, o jornal A Natureza, de 2 de julho de 1997, traz em sua manchete: “Depois de 6 anos continuamos com os mesmos problemas”.

Foto: Acervo Alcenor Moreira, 2024.

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2º Quebra-quebra: Morte, preconceito e a busca por justiça

Em 16 de dezembro de 2013, três homens — Luciano da Conceição Ferreira Freire, Aldeney Ribeiro Salvador e Stef Pinheiro de Souza — desapareceram quando passavam de carro pelo quilômetro 85 da Transamazônica, na reserva indígena Tenharim Marmelos. A população local acusou os indígenas de sequestrarem os homens em retaliação à morte do cacique Ivan Tenharim.

Segundo relatos, o pedágio foi o ponto de ruptura entre os Tenharim e os moradores, muitos dos quais consideram a cobrança injusta e um obstáculo econômico, como o madeireiro Nelson Vanazzi, que reclamou dos altos custos do frete na Transamazônica. O bispo Dom Francisco Merkel também reconheceu que a cobrança do pedágio foi central para os confrontos, refletindo a resistência da população local contra essa prática dos indígenas.

Sobre a cobrança de pedágio realizada pelos indígenas Tenharim na rodovia Transamazônica, é importante esclarecer em que circunstâncias ela ocorria. Desde a construção da Transamazônica em 1972, não foram criadas alternativas para mitigar os impactos sobre a Terra Indígena Tenharim Marmelos. Dessa forma, os indígenas passaram a cobrar um pedágio como uma forma de compensação socioambiental e como alternativa para financiar ações que beneficiem a comunidade.

Segundo Alceu (2014), no dia de Natal, desde as 8 horas da manhã, um carro de som do empresário Xexéu, dono da boate Xexelândia (fechada), passava pela cidade incitando os moradores a protestar. Nesse momento, a demanda não era mais por investigações policiais, como queriam os parentes de Luciano Ferreira Freire, Stef Pinheiro e Aldeney Ribeiro Salvador, desaparecidos em 16 de dezembro, mas sim pela condenação dos indígenas, que já eram vistos como os culpados.

Em 25 de dezembro, moradores de Humaitá incendiaram a unidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em protesto pelo desaparecimento de Luciano Freire, Aldeney Salvador e Stef Pinheiro. Em resposta, a Funai solicitou ao Comando do 54º Batalhão de Infantaria de Selva de Humaitá para abrigar cerca de 140 indígenas. Diante do caos em Humaitá, o tenente-coronel Antonio Prado, comandante do 54º Batalhão de Infantaria da Selva, decidiu abrigar os indígenas – a maioria da etnia Tenharim – que estavam na cidade durante o período de Natal. A decisão gerou revolta entre os manifestantes, que passaram a ameaçar a esposa do coronel. Para protegê-la, 100 soldados do Exército foram mobilizados para vigiar a Vila Militar, onde residem as famílias militares. Durante essa tensão, uma das três indígenas grávidas deu à luz no quartel, em pleno Natal. E em 30 de dezembro, todos retornaram à Terra Indígena Tenharim Marmelos, com o apoio das Polícias Federal, Rodoviária Federal, Força Nacional e da própria Funai (por Alceu Luís Castilho, em A Pública 2014).

A balsa que liga a Avenida Transamazônica à Rodovia Transamazônica, atravessando o Rio Madeira, tornou-se o ponto de encontro dos manifestantes, que bloquearam o acesso à balsa desde a véspera. Comerciantes locais ofereceram alimentação e transporte para os participantes, incluindo os parentes dos desaparecidos. Mulheres presentes passaram mal, com a mãe de Luciano e a mulher de Aldeney enfrentando graves problemas de saúde. Ao final da tarde, os manifestantes percorriam as ruas gritando por destruição, pedindo a queima de carros dos indígenas, enquanto outros destruíam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em frente à Funasa.

No dia 2 de janeiro, as famílias de Luciano, Aldeney e Stef receberam um pedido dos policiais federais por roupas usadas dos desaparecidos, para que os cachorros pudessem farejar pistas, dezoito dias após o desaparecimento.

O início de 2014 trouxe destruição à sede da Funai em Humaitá. O prédio estava em ruínas e um funcionário atuava como porteiro entre os destroços, com vidros quebrados e partes de veículos queimados. Dez veículos da fundação foram destruídos na noite de Natal por incêndios provocados com coquetéis molotov e gasolina. Os moradores relatam explosões e o medo do pânico, como Claudinei e Maria, que temiam pela segurança das crianças. Apesar da presença de um caminhão-pipa do Exército, os ataques continuaram, e o prédio se salvou, mas os funcionários tiveram que fugir para Porto Velho. A perícia, no entanto, ainda não havia sido realizada, e o local continuava sem isolamento adequado.

Prédio da FUNAI vandalizado

Foto: Carta Capital

Carros da FUNAI destruídos

Foto: Gabriel Ivan/ Mídia Ninja de Humaitá

Na frente da sede da Funasa, uma Hilux queimada permanecia como um símbolo dos ataques. Os incendiários, após saírem da Funai, passaram pela Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), onde quase queimaram o prédio, mas desistiram após apelos dos vizinhos. No entanto, incendiaram a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que ficava no mesmo terreno da Funasa, deixando-a em ruínas e prejudicando o atendimento de pacientes, incluindo exames para casos de câncer, conforme Naiara Santos. O local do crime também não foi isolado para perícia. Mais adiante, no Terminal Hidroviário de Humaitá, um barco utilizado para atender as comunidades ribeirinhas, o N/M Kagwahiwa, foi igualmente destruído pelo fogo.

Na véspera do Réveillon, o prefeito Dedei Lobo decidiu cancelar os festejos na orla do Rio Madeira, em um esforço para conter a violência. Mensagens de mobilização se espalharam pelo celular e Facebook, e o plano de invadir a prefeitura e queimá-la foi articulado. Embora a invasão não tenha ocorrido, a cidade continuou sob vigilância, com policiais monitorando as entradas principais, especialmente a que conecta a cidade a Porto Velho e à Transamazônica.

No dia 1º de janeiro, cerca de 500 pessoas participaram de um ato anual pela paz promovido pela igreja católica. A marcha, marcada pela presença de mulheres e crianças, foi acompanhada de faixas com mensagens de solidariedade aos parentes dos desaparecidos e pedidos de justiça. O bispo Francisco Merkel, em seu discurso, relembrou as dores da ocupação da Amazônia e afirmou que a responsabilidade pela justiça é do Estado. A ausência de ações efetivas do poder público, segundo ele, é uma das causas de um clima de injustiça que impede a paz.

A reportagem da A Pública, que passou uma semana em Humaitá, revelou que nem mesmo os indígenas Tenharim, Parintintin ou Jihaui podiam circular pela cidade sem risco de violência. Moradores, incluindo comerciantes e pecuaristas, que também vivem em situação de pobreza, demonstraram hostilidade e disposição para agredir os indígenas, sem distinção. A situação expôs um ciclo de violência impulsionado pela rápida culpabilização dos indígenas antes de uma investigação mais aprofundada. Essa violência, por sua vez, se tornou um reflexo de um problema maior: a omissão do Estado, que falhou em proteger e garantir direitos básicos, perpetuando conflitos e a injustiça.

Seis indígenas — Valdinar Tenharim, Gilvan Tenharim, Gilson Tenharim, Domiceno Tenharim, Simeão Tenharim e Aurélio Tenharim — foram denunciados pelo Ministério Público Federal por triplo homicídio duplamente qualificado, envolvendo o sequestro, morte e ocultação de cadáveres de Stef Pinheiro (43 anos), Luciano Freire (30 anos) e Aldeney Salvador (40 anos). Em janeiro de 2023, os réus foram pronunciados e aguardam julgamento em júri popular.

3º Quebra-quebra: Garimpo ilegal, subsistência indígenas e conflitos

Recentemente, em agosto de 2024, a cidade de Humaitá, no Amazonas, viveu um cenário de tensão após uma operação da Polícia Federal (PF) destruir equipamentos de garimpeiros. A ação policial aconteceu na orla do rio Madeira e teve como objetivo destruir as balsas e demais equipamentos usados para garimpo.

A operação policial em Humaitá, Amazonas, conhecida como Operação Prensa, gerou um intenso conflito na cidade após a destruição de dragas usadas em atividades de garimpo ilegal. No dia 21 de dezembro, a ação, que contou com a participação da Polícia Federal (PF), do Ibama e da Funai, visava combater o garimpo ilegal no sul do Amazonas. A operação começou no dia 20 e deveria durar pelo menos mais 10 dias.

PF inutilizou 233 balsas de garimpeiros ilegais no Rio Madeira

Foto: Reprodução

O conflito se intensificou por volta das 14h30, quando policiais federais foram atacados por garimpeiros ao tentarem atracar suas embarcações em um porto de Humaitá. A situação se agravou quando os garimpeiros tentaram invadir o prédio da Prefeitura, o que provocou a resposta da Polícia Militar. Durante a confrontação, os garimpeiros lançaram rojões e bombas em direção aos policiais, que responderam com tiros de balas de borracha, forçando os garimpeiros a se dispersarem. Apesar dos ataques, não houve feridos, e não foram registradas prisões.

O tumulto gerou pânico entre os moradores, que fugiram da área de conflito. Comerciante de bares e lanchonetes retiraram mesas e cadeiras para evitar danos, enquanto alguns residentes filmaram a situação. Em meio ao caos, a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) destacou que a Polícia Militar estava trabalhando para manter a ordem pública, em colaboração com a Delegacia Interativa de Polícia Civil (DIP) do município.

A operação, que visa desarticular o garimpo ilegal, foi um exemplo da tensão existente entre as autoridades e os garimpeiros, que resistem a medidas que impactam suas atividades. O uso de força na operação também reflete a complexidade do problema, que envolve questões de preservação ambiental, direitos indígenas e economia local.

Foto: Reprodução/ G1