O município de Humaitá foi planejado dentro do contexto de colonização e do interesse econômico na Amazônia. Sua criação esteve estreitamente ligada à expansão da fé católica, à opressão das comunidades indígenas locais e ao processo de institucionalização que se desencadeou com a chegada do comendador José Francisco Monteiro e sua família.

Localização de Humaitá no Brasil

Fonte: United States National Imagery and Mapping Agency data World Data Base II, s.d. Acesso em: 19 fev. 2024.


No que diz respeito à formação administrativa, IBGE (s.d.) aponta que o distrito foi inicialmente criado como São Francisco do Rio Madeira pela Lei n.º 686, de 02 de junho de 1885, subordinado ao município de Manicoré. Posteriormente, pela Lei n.º 790, de 13 de novembro de 1888, a sede do distrito foi distribuída para o lugar de Humaitá, mantendo a mesma denominação. O município foi elevado à categoria de vila pelo Decreto n.º 31, de 02 de abril de 1890, e posteriormente à categoria de cidade pela Lei Estadual n.º 90, de 10 de abril de 1894. Em 24 de Outubro de 1894 foi decretada a cidade de Humaitá.

Em 1891, a Comarca de Humaitá foi criada pelo Decreto n.º 95-A de 10 de abril. O município chegou a ter distritos como Cavalcante, Lago Cunitiá, Santo Antônio, Três Casas, Foz do Rio Javari, Mirari, Missão de São Francisco, e Calama, mas alguns foram desmembrados ao longo do tempo (IBGE, s.d.).

Os primeiros habitantes da região eram os indígenas, que mantinham uma economia de subsistência, concentrando-se principalmente nas margens do Rio Maici (Torá), Rio Marmelo (Tenharim), e Rio Madeira (Parintintin, Pama, Arara e Mura). De acordo com Davi Avelino Leal (2013) aponta que para esses grupos, a floresta é mais que recursos naturais, ela representa também "forças cósmicas e espirituais" essenciais para sua existência. Uma análise crítica revela a longa presença e resistência indígena às margens do rio Madeira. Enquanto a presença indígena é ancestral, a chegada de não indígenas foi lenta, com expedições desde o século XVII. A defesa territorial indígena contra missionários e comerciantes foi uma constante no século XIX. Os jesuítas foram uma das primeiras ordens religiosas a atuar em Humaitá, e auxiliavam nos tratamentos médicos.

Francisco Monteiro

Foto: FamilySearch, 2024.

José Francisco Monteiro, um comerciante em busca de riquezas, foi um dos primeiros colonizadores que decidiu permanecer na região. De acordo com Raimundo Neves em publicação do Jornal de Humaitá, Ano I - nº 3 Agosto/Setembro de 1982, José Francisco Monteiro, mais tarde conhecido como Comendador Monteiro, nascido em Porto/Portugal, em 19 de março de 1830, ainda criança, enquanto cursava o ensino primário, chegou ao Brasil em 1840 e iniciou sua trajetória no comércio em São Luís, Maranhão, onde continuou seus estudos à noite. Em 1869, transferiu-se para a região do Madeira, estabelecendo-se como seringalista.

De acordo com Davi Avelino Leal (2013), Monteiro adquiriu experiência comercial e acumulou capital em Maranhão e Belém antes de se mudar para o Amazonas no final dos anos 1860. Com recursos financeiros já estabelecidos, ele se instalou inicialmente na região de Pasto Grande, acima da cidade de Humaitá/AM, onde possuía um seringal e engajava-se em outras atividades comerciais. Em 15 de maio de 1869, em virtude da resistência dos indígenas parintintins, a sede da Freguesia foi relocada para a localização atual da cidade de Humaitá, sendo renomeada na ocasião para Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Beem de Humaitá.

Após fundar Humaitá, foi nomeado o primeiro Superintendente da localidade, função que desempenhou até 1913. Também foi Cônsul da Bolívia e atuou como responsável pela Agência Aduaneira da República Boliviana no Rio Madeira. Religioso fervoroso, era devoto de Nossa Senhora Imaculada Conceição, devoção que trouxe de Portugal e promoveu entre a comunidade, tendo inclusive construído o templo junto aos primeiros alicerces do povoado. Homem inteligente e de muita praticidade, que superava a sua pouca cultura e o que valeu nos seus empreendimentos. Faleceu aos 87 anos, em 10 de outubro de 1917, após ter ajudado a estabelecer a constituição política do povoado, que já havia sido elevado a cidade e definido como município, conforme Raimundo Neves (1982).

Foi declarado benemérito dos pobres e recebeu do Papa Pio IX o diploma de benfeitor da humanidade, em 1870. Nesse mesmo ano, foi promovido a tenente-coronel da Guarda Nacional, tornando-se coronel em 1880. Em 1885, assumiu o cargo de cônsul da Bolívia, função que desempenhou até 1891.

Entre suas honrarias, destaca-se o Colar de Honra da Sociedade Patriótica 1.º de Dezembro, de Portugal, em reconhecimento à sua contribuição na construção do monumento dos Restauradores, em Lisboa (1886). Ele também foi agraciado com o título de comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, por Dom Luís I de Portugal, em 7 de maio de 1887.

Em 1891, foi nomeado cônsul e agente aduaneiro da Bolívia no Rio Madeira, função que ocupou até sua morte. No mesmo ano, recebeu o título de comendador da Ordem Militar de Cristo, concedido por Dom Carlos, Rei de Portugal. Ele acumulou riqueza e influência, sendo reconhecido como um capitalista proeminente no Estado do Pará. De 1902 a 1913, voltou a exercer o cargo de prefeito de Humaitá.

Casou-se com Mathilde Ximenes Monteiro no ano de 1877. O casal teve pelo menos sete filhos e seis filhas. Ele veio a falecer em 10 de outubro de 1917, na cidade de Humaitá, no estado do Amazonas, Brasil, aos 87 anos de idade, sendo filho de Manuel Francisco Monteiro e Maria Margarida Rosa Monteiro.

Linha do tempo da família Monteiro (cônjuge e filhos)

Foto: FamilySearch, 2024.

Certidão de óbito da filha de José Monteiro, a Sra. Ameirinda Ximenes Monteiro em 1971

Foto: FamilySearch, 2024.

Pasto grande, próximo a Humaitá-AM

Fonte: Google Earth, 2024. Acesso em: 19 fev. 2024.

Fonte: Google Earth, 2024. Acesso em: 19 fev. 2024.



Maria Terezinha Corrêa (2008) destaca que, enquanto a narrativa “oficial” reconhece o Comendador Monteiro como o fundador de Humaitá/AM, os Parintintins apresentam uma visão diferente. Conforme a sabedoria ancestral, o local onde hoje se encontra o mercado da cidade (porto), anteriormente chamado de "piseiro da anta", era um ponto de encontro para as antas beberem água e um local de caça para os Parintintins. Esse porto é tido como o marco inicial da cidade. Os Parintintins o consideram um espaço sagrado e rico em recursos naturais, famoso pela abundante pesca e caça, especialmente de antas. Em contraponto, a narrativa convencional também reconhece o porto como o núcleo originário de Humaitá, o local onde a família Monteiro se instalou pela primeira vez. Atualmente, esse mesmo porto é o local onde ocorrem as maiores festas da cidade.

Frente da cidade vista do Rio Madeira

Foto: Alcenor Moreira e Júlio Santos da Silva, 2023.

Foto: Alcenor Moreira e Júlio Santos da Silva, 2023.

Porto de Humaitá-Am atualmente

Foto: Jhully Gomes Morais, 2024.

Antigo Mercado Municipal

Foto: Alcenor Moreira e Júlio Santos da Silva, 2023.

Antigo Mercado da cidade atualmente, em frente ao porto

Foto: Jhully Gomes Morais, 2024.



O nome da cidade reflete essa disputa de narrativas. Conforme informações do IBGE (s.d.), o termo Humaitá tem raízes indígenas, interpretado como: Hu = negro, ma = agora, e itá = pedra, culminando no significado de "a pedra agora é negra". Em contraste, Alfredo Wagner Berno de Almeida (2005) argumenta que o nome foi escolhido pelo comendador em homenagem ao triunfo dos brasileiros na batalha de Humaitá, durante a guerra do Paraguai.

A cidade de Humaitá, Amazonas, também possui uma herança africana e afro-brasileira que influenciou sua cultura ao longo dos anos. A presença africana na região remonta ao período colonial, quando pessoas de origem africana foram trazidas como escravizadas para trabalhar nas plantações e na construção do país.

Segundo a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Amazonas (2013), os primeiros registros do livro de propriedades de Humaitá de 1980 destacam a presença da escravização na cidade. No registro inicial, datado de 27 de fevereiro de 1880, um indivíduo chamado Francisco Botelho concedeu liberdade a Faustino, um escravizado. O segundo registro documenta uma prática infelizmente comum da época: a venda de Cândida, uma escravizada de 19 anos, pelas senhoras Soares Serfaty e Antonia Jezus. Cândida era descrita como solteira, de origem desconhecida, oriunda da Província do Maranhão.

Os registros também incluem menções a um escrivão chamado Francisco Plínio Coelho, possível antepassado de Plínio Ramos Coelho, governador do Amazonas de 1955 a 1959. Os documentos, parte de um total de 243 páginas restauradas, detalham aspectos da vida social e comercial da época, incluindo a prática da escravização e a liberdade concedida aos escravizados. Os esforços de restauração dos documentos, liderados pela Comissão Permanente de Avaliação de Documentos (CPAD) do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), foram motivados por uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Incra. Essa ação visa preservar e tornar acessíveis importantes registros históricos que permitem uma visão mais profunda das relações sociais e dos costumes do Amazonas no final do século 19, conforme a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Amazonas (2013).

Embora a escravidão de africanos e afro-brasileiros na Amazônia tenha sido em menor escala se comparada à dos indígenas, é indiscutível que essa realidade existiu e que seus impactos ainda afetam as gerações descendentes dessas comunidades no presente. De acordo com Pozza Neto (2009), no século XIX, os escravos estabelecidos na província do Amazonas dispunham de diversas vias para alcançar a liberdade, dentre as quais se incluíam a fuga, a morte ou a obtenção de uma carta de alforria. Este último método, por ser uma via legal, teve um papel significativo na narrativa da escravidão na região.

Provino Pozza Neto (2009) ainda aponta que em 1884, o presidente da província do Amazonas ordenou a contagem dos escravizados matriculados com o objetivo de identificar aqueles que poderiam ser legalmente libertados com fundos públicos, em celebração ao aniversário da criação da província. Ele expressou também o desejo de que, no próximo aniversário, a data se tornasse um “marco histórico” na humanidade pela libertação de todos os escravizados da província.

Indiscutivelmente, o processo de libertação de africanos e afro-brasileiros na região seguiu um padrão similar ao observado no resto do Brasil, onde a transição para a liberdade foi marcada por desafios significativos. Após serem libertados, enfrentaram a ausência de suporte estrutural, lidando com problemas como moradia inadequada, falta de saneamento básico, discriminação, carências na saúde e educação, além de outros obstáculos, consequências de uma escravidão imposta. Conforme destaca a profa. Dra. Suely Mascarenhas (2019), os efeitos dessas adversidades históricas ainda repercutem na saúde psicossocial dos descendentes na região de Humaitá/AM, que, cientes dos sofrimentos de seus ancestrais, continuam a enfrentar os desafios do racismo contemporâneo.